Bolsonaro aposta na morbidez e gera repulsa - 29/04/2025 - Wilson Gomes - Folha


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Bolsonaro's Shifting Public Image

The article discusses Jair Bolsonaro's dual public personas: the aggressive, defiant 'tough guy' and the vulnerable, victimized 'underdog.' These personas are strategically employed, with bravado followed by displays of suffering to garner sympathy and incite resentment against perceived enemies.

The Morbid Shift

Recent public appearances, especially hospital live streams, reveal a new, more morbid aspect. Instead of projecting strength, Bolsonaro displays his injured body, emphasizing his suffering and decay. This stark portrayal, devoid of typical celebratory messages, evokes discomfort and repulsiveness rather than the desired compassion or anger.

Analysis of the Strategy

The author suggests that this departure from previous calculated performances indicates a loss of narrative control. While past victimhood was used to fuel political resurgence, the current exhibition of decline departs from the established narrative of resilience and revanche.

Comparison and Contrast

The article draws comparisons to other political figures such as Trump, highlighting Bolsonaro's atypical shift toward a portrayal of irreversible decay, compared to others who use injury to reinforce a narrative of strength and counterattack.

Conclusion

Ultimately, this unexpected shift unintentionally presents a fading image of Bolsonaro: not the invincible 'myth,' but a body broken by time and circumstance, publicly decaying.

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Que Bolsonaro é um personagem que se representa em dois registros performáticos, alternados conforme a conveniência, é algo que venho afirmando há anos. Há, de um lado, o modo valentão, arruaceiro, irreverente e afrontoso, que serve bem ao vitalismo de quem aprecia líderes autoritários, fortes e que se impõem. Mas há também a chave oposta: a do coitadinho, da vítima, do perseguido e do sofredor, que exige comoção e compaixão —acompanhadas, naturalmente, de um sentimento de revolta contra quem lhe teria infligido tamanha injustiça.

Os dois modos se sucedem em circuito contínuo, sempre nesta sequência: primeiro, a bravata, o insulto, a ameaça expelida em nuvens de perdigotos, a exibição da coragem viril; depois, caso algo dê errado, o ator troca a máscara e reaparece coberto de dores e tormentos, lágrimas nos olhos ou expressão resignada, clamando por solidariedade dos seus diante do cerco de inimigos implacáveis.

Se reuníssemos todos os cortes de vídeos em que Bolsonaro —antes e depois de ungido como o "Davi do antipetismo"— afronta, pisa, xinga, grita, lacra, desafia e ameaça, teríamos um longa-metragem de dimensões consideráveis. Foi com esse personagem que ele se transformou no "mito" de uma geração que glorifica a irreverência, o politicamente incorreto, a afirmação brutal da pulsão de vida e, sobretudo, o próprio ressentimento.

Por outro lado, tampouco faltam cenas de choro compulsivo, denúncias de perseguição pelo "sistema", exibição das chagas físicas e alegações constantes de ser uma vítima permanente e injustiçada.

Calhou agora de testemunharmos uma nova performance do modo "coitadinho", depois de termos assistido, até em live hospitalar, a encenações recentes do modo "machão". Desta vez, com especial insistência na exibição do corpo da pobre vítima internada, retalhada e agonizante: não mais o "físico de atleta" e a imodesta glorificação das próprias habilidades militares, mas a exposição quase obscena de cicatrizes feias e assimétricas, de um corpo surrado, cortado e disforme, coberto de hematomas e drenos —a imagem de um homem prostrado e vencido.

Nem os sinais habituais de otimismo —típicos da liturgia digital das celebridades internadas, com selfies, mensagens de superação e flores no quarto— comparecem. Não há balões, nem sorriso forçado, nem "joinhas" de esperança. Bolsonaro se exibe —ele mesmo, em suas redes sociais— grotesco, exausto, quase cadavérico. A feiura —do corpo, da imagem e da situação— é buscada, é intencional. A mensagem não é de resistência e superação, mas de martírio e sacrifício. Não é o herói ferido; é o mártir em pleno ato sacrificial.

Em outros tempos, os dois modos performativos de Bolsonaro eram mais bem controlados por seus roteiristas e diretores de imagem. Agora, algo parece ter escapado da velha arte de construir narrativas e controlar a performance que seu círculo íntimo dominava com habilidade.

Ser "coitadinho" no molde original —ultrajado, mas não vencido, preparando-se para retaliar— é uma coisa. Outra, bem diferente, é encenar uma espécie de Noiva Cadáver política, em que o líder se exibe mutilado, caindo aos pedaços e se decompondo em público. Se o objetivo era provocar compaixão e revolta, Bolsonaro pode ter errado a mão: a sensação provocada é de desconforto e repulsa.

Nas hostes adversárias, alguns enxergam na profusão de imagens hospitalares ecos inconscientes do culto à morte que marcou o franquismo tardio, por exemplo. Mas nada, nos antecedentes da dramaturgia bolsonarista, autoriza essa leitura. O grotesco, o cru e o feio na iconografia de Bolsonaro sempre foram instrumentos para evocar autenticidade e irreverência, jamais para convocar a morbidez ou a celebração da decadência. E o "modo vítima" sempre foi acionado para ativar narrativas de reação e revanche, não para exibir ruína e decomposição. O bolsonarismo sempre foi, nesse sentido, um revanchismo vitalista, não um mórbido decadentismo.

Essa performance de um líder despido e mutilado em um leito de hospital não corresponde ao roteiro original. Os diretores de "Bolsonaro, o filme" sempre souberam usar o vitimismo como motor para novas investidas, exibindo as feridas como provas de resiliência —à maneira de Trump, que, mesmo ferido a bala, convocava o contra-ataque.

Talvez, sem perceber, Bolsonaro tenha inaugurado —em ato— a imagem crepuscular de seu personagem maior: não o mito inviolável, mas um corpo batido pelo tempo e pelas circunstâncias, decompondo-se em público.

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