‘Estamos vivendo uma epidemia de arritmias cardíacas’, alerta cardiologista Eduardo Saad


Cardiologist Eduardo Saad warns of a growing arrhythmia epidemic in Brazil, highlighting risk factors, symptoms, and the importance of early detection and treatment.
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No ano passado, o caso do então jogador do Nacional do Uruguai Juan Manuel Izquierdo, que morreu aos 27 anos após sofrer uma parada cardíaca durante um jogo em São Paulo, jogou luz sobre um diagnóstico desconhecido por boa parte da população, embora bastante prevalente: as arritmias cardíacas. Assim como em diversos outros episódios de morte súbita, a condição estava por trás do falecimento do atleta.

Para o cardiologista e coordenador do Serviço de Arritmias Cardíacas do Hospital Samaritano, em Botafogo, no Rio, Eduardo Saad, o diagnóstico é um velho conhecido. O especialista, que toma posse na próxima sexta-feira como novo membro da Academia Nacional de Medicina (ANM), alerta que cerca de 1 a cada 4 pessoas desenvolvem o quadro e não sabem e explica do que se tratam as arritmias.

— São alterações da parte elétrica do coração, que levam a mudanças nos batimentos cardíacos. Hoje nós estamos vivendo uma epidemia de arritmias cardíacas. O tipo mais comum é a fibrilação atrial, que é caracterizada por batimentos irregulares e rápidos, e que pode ser grave — explica Saad, um dos maiores especialistas no assunto do país.

Ao GLOBO, ele fala sobre a doença e os fatores que ajudam a entender seu crescimento, comenta a importância de fazer parte de uma instituição quase bicentenária, a ANM, e esclarece quem precisa desconfiar de uma arritmia e buscar ajuda, já que o quadro é silencioso em muitos casos.

Como é seguir os passos dos seus familiares e qual a importância da ANM hoje no país?

A academia é uma instituição quase bicentenária. Foi criada ainda em 1829 pelo imperador Dom Pedro I com o objetivo de agregar os médicos mais influentes do país e ser um órgão consultivo do governo, que pudesse orientar políticas públicas. E é uma espécie de tradição na minha família, começou com o meu avô materno, o professor Aarão Benchimol, e depois meu pai, Edson Saad. A terceira geração é o meu tio, Cláudio Benchimol. Todos são também cardiologistas de referência no Brasil.

A ANM é uma instituição antiga, mas que continua a se posicionar. Teceu críticas à gestão do país durante a pandemia da Covid-19 e à recente sanção da lei que libera a ozonioterapia. Ela mantém a sua relevância hoje?

Na semana passada mesmo tivemos uma sessão sobre a questão das graduações médicas, que é um tema muito atual. A academia pode servir como um centralizador que agrega instituições como o CFM (Conselho Federal de Medicina) e a AMB (Associação Médica Brasileira). É um papel extremamente importante. E com a renovação dos membros, há um diálogo intergeracional que é muito produtivo. Recentemente, a ANM também passou a ter a primeira presidente mulher, a professora Eliete Bouskela, o que foi um marco em sua renovação.

Sobre as arritmias cardíacas, o que são e qual a prevalência hoje?

Arritmias cardíacas são alterações da parte elétrica do coração, que levam a mudanças nos batimentos cardíacos. O coração tem três grandes áreas: as artérias, que envolvem o fluxo do sangue; o desempenho do músculo cardíaco, que é o quão eficiente é a contração; e a parte elétrica, que coordena os batimentos.

Alterações nessa parte elétrica causam as arritmias, que podem ser uma bradicardia, que é uma lentidão desse ritmo, ou uma taquicardia, que é uma aceleração. Nós estamos vivendo uma epidemia de arritmias cardíacas. O tipo mais comum é a fibrilação atrial, caracterizada por batimentos irregulares e rápidos e que pode ser grave.

Quais fatores têm contribuído para uma piora das arritmias?

Sabemos que as arritmias aumentam com a idade. Então o envelhecimento da população explica, em parte, esse fenômeno. Mas vemos também uma ocorrência cada vez mais cedo na população. Não sabemos exatamente o porquê, mas acreditamos que o estilo de vida moderno contribui devido aos fatores ambientais, como poluição e exposição a agrotóxicos, à privação de sono, ao uso abusivo de medicações e reposição de hormônios, aos estimulantes, aos alimentos ultraprocessados, entre outros.

Há alguns estudos sobre associação de bebidas e arritmias. Existe uma relação forte?

As associações principais são com energéticos. O café, de uma maneira geral, já foi absolvido como um vilão das arritmias. Mas isso porque é a cafeína em doses razoáveis, não nas doses elevadas presentes em bebidas energéticas, que também contêm outras substâncias estimulantes, como a taurina. Além disso, hoje temos alguns pré-treinos, muitas vezes manipulados, com comprimidos de 600 mg, 800 mg de cafeína, doses muito elevadas e perigosas. E um outro grande deflagrador de arritmias cardíacas é o álcool. Entre os jovens, há muito a mistura com energético, que é explosiva. Isso contribui muito para o cenário que estamos vendo hoje.

Temos muitos casos de morte súbita associados a arritmias?

As arritmias cardíacas entram em muitas dessas situações que falamos comumente se tratar de infarto fulminante, mas que são arritmias. Em muitos casos são por doenças geneticamente determinadas, mas que nem sempre o paciente sabe possuir. Então é importante a avaliação e, se o paciente sabe que tem uma arritmia, que ele se proteja antes que uma catástrofe aconteça.

Hoje conseguimos detectar entre os pacientes as pessoas que estão sob um risco maior de ter um evento cardíaco maligno e tomamos medidas como maior acesso a um desfibrilador, retirada do esporte de alta intensidade, tratamento com algumas medicações. Mas esse reconhecimento precoce é fundamental.

O que mais é importante para evitar esses desfechos mais graves?

A educação da população. Nos Estados Unidos, por exemplo, muitas pessoas são treinadas para fazer primeiros socorros, há desfibriladores automáticos em locais como aeroportos, shoppings. Coordeno o Comitê de Relações Globais da Sociedade Americana de Arritmias Cardíacas e nós fazemos eventos de educação em todo o mundo. Recentemente, tivemos um em que fiquei muito impressionado com o que há também em outros países.

No Japão, existe um aplicativo em que, se uma pessoa tem uma parada cardíaca na rua, você aciona na hora o socorro e ele mostra onde está o desfibrilador mais perto. Na Dinamarca, existe um sistema que aciona pessoas que são treinadas e que estão próximas a uma vítima para que ela chegue às vezes até antes de uma ambulância. O tempo é sempre fundamental, se não tiver um atendimento em minutos há poucas chances de a pessoa sobreviver.

Qual a orientação para o público geral? Quem deve buscar uma avaliação para saber se tem uma arritmia?

Pessoas que fazem atividade física de maior intensidade devem passar por um exame de screening. Mesmo que não tenham nenhum sintoma e que sejam saudáveis. Esse screening pode ser uma avaliação médica, um exame clínico, um eletrocardiograma, pelo menos. Além disso, pessoas que têm histórico de morte súbita ou de doença cardíaca na família.

Aqueles acima dos 40 anos de idade, em que a incidência de doenças cardíacas começa a ser maior, também devem ser avaliadas. Buscar um exame periódico que avalie o estado do coração passa a ser mais importante. São as três situações que vejo ser importante.

A mensagem fundamental, é que, infelizmente, mesmo que tudo pareça estar muito saudável, não obrigatoriamente está. Há doenças que vão evoluindo gradativamente de maneira silenciosa, que só conseguimos detectar com exames mais refinados, e as arritmias são uma delas.

Elas sempre são silenciosas? Nos casos em que provocam sintomas, quais são eles?

Elas podem ser sempre assintomáticas ou manifestarem sintomas. Quando eles ocorrem, os mais comuns são as palpitações, o coração acelerado, batendo em ritmo descompassado. Também pode causar falta de ar, cansaço excessivo. Mas os sinais realmente de alerta são as tonturas inexplicadas e os desmaios. Esses dois são muito relevantes porque podem significar uma arritmia de maior perigo.

Quais são os principais riscos do exercício físico nesses casos?

O exercício físico é excelente para a saúde. Mas pessoas que têm doenças no coração têm risco mais elevado, especialmente frente a um esforço de alta intensidade. Cada caso é um caso, existem doenças que são transitórias, então às vezes a pessoa pode ser retirada momentaneamente da atividade física e tratar a arritmia e, em outros, a doença é mais grave e infelizmente o paciente precisa ser retirado permanentemente. Vai depender da avaliação individual.

Sobre as mortes súbitas, temos muitas fake news hoje, especialmente com vacinas. Existe alguma relação?

Vemos muitas pessoas atribuindo arritmia a vacinas, mas isso carece de uma real comprovação científica. O assunto foi muito politizado e acabou misturando as coisas. E há pessoas que realmente ficam preocupadas e são contaminadas com essa ideia. Mas essa relação não existe à luz do conhecimento científico.

Hoje as doenças cardíacas são as principais causas de morte, mas temos uma tendência de que o câncer as ultrapasse. Por que?

É aterrorizante o aumento da ocorrência de câncer, inclusive em pessoas mais jovens, e o tratamento não evoluiu na mesma proporção. Ao mesmo tempo, há uma contribuição da curva de mortalidade por doenças do coração, que é menor. Morre-se menos de infarto, menos de doenças cardíacas no geral, porque os tratamentos melhoraram muito nos últimos 30 anos. Insuficiência cardíaca, por exemplo, que mata muito, hoje tem muitos tratamentos com novos medicamentos, marcapassos, desfibriladores, que melhoraram muito o prognóstico.

Principalmente o tratamento da fibrilação atrial com ablação por cateter, melhora o prognóstico, melhora a sobrevida, é um grande benefício para os pacientes. Então hoje temos novas técnicas que são praticamente uma revolução no tratamento das arritmias.

Quais gargalos ainda existem?

Temos pacientes com doenças muito avançadas que são difíceis de reverter, casos em que o coração já tem muita fibrose na musculatura. E principalmente a cardio-oncologia. Muitos tratamentos de câncer têm como efeito colateral o acometimento cardíaco. Esse é um gargalo que cresce muito, porque os pacientes oncológicos vão sobrevivendo mais e tomando mais remédios.

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