O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou ontem, de forma conjunta, um plano de ação para o combate à letalidade policial em operações no Rio, concluindo o julgamento da ADPF das Favelas. Entre as medidas anunciadas pelo presidente da corte, Luís Roberto Barroso, estão a determinação para que a Polícia Federal (PF) amplie sua atuação e investigue crimes com repercussão interestadual e internacional no estado e a elaboração de um plano de reocupação territorial de áreas controladas por organizações criminosas. O STF também flexibilizou ordem anterior, dada na mesma ação, que restringia o uso de helicópteros e estabelecia que as ações policiais ocorressem apenas em casos excepcionais.

O consenso foi alcançado entre os 11 ministros do Supremo após uma série de debates sobre pontos considerados sensíveis entre os magistrados e alvos de críticas tanto por parte de autoridades do Estado do Rio quanto por integrantes da sociedade civil.

Confira abaixo alguns dos principais pontos da decisão e a repercussão da decisão do STF:

  • Reocupação de territórios: o Estado do Rio e municípios interessados devem elaborar plano para a retomada territorial de áreas sob domínio de organizações criminosas. O objetivo é viabilizar a presença permanente do poder público por meio de políticas voltadas à juventude, instalação de equipamentos públicos e qualificação de serviços básicos.
  • Crimes interestaduais: a determinação é de que a Polícia Federal abra inquérito para apurar indícios concretos de crimes com repercussão interestadual e internacional e violações de direitos humanos decorrentes da ocupação de comunidades por organizações criminosas. A PF poderá atuar em conjunto com as forças de segurança estaduais para identificar as organizações criminosas em atuação no estado, seus chefes e suas movimentações financeiras. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) deve priorizar o atendimento de pedidos feitos para essas investigações.
  • Grupo de inteligência da PF: também foi determinado que a PF instaure um inquérito para investigar os principais grupos criminosos violentos em atividade no Rio e suas conexões com agentes públicos. As investigações, que contarão com uma equipe de dedicação exclusiva e atuação permanente, terão como foco combater as milícias, tráfico de armas e drogas e lavagem de capitais.
  • Helicópteros: a restrição de uso deixa de existir, mas com o dever previsto em lei de que sejam usados de forma proporcional.
  • Autópsia: obrigatória nos casos de mortes decorrentes de intervenção policial.
  • Câmeras: foi reconhecido que o estado tomou providências para instalação de equipamentos de GPS e gravação nas fardas dos agentes e foi ampliado o prazo para implantação das câmeras nas viaturas de 120 para 180 dias.
  • Escolas e hospitais: o STF afirma que “não há restrições territoriais por perímetro à ação policial”, mas deve haver o “respeito rigoroso às exigências de proporcionalidade no uso da força”, especialmente no período de entrada e de saída dos estabelecimentos educacionais. Pela decisão, “em caso de extrema necessidade” será permitido o ingresso das forças policiais se for verificado o uso dos estabelecimentos para a prática de atividades criminosas.
  • Saúde mental: foi dado prazo de 180 dias para que o estado crie programa de assistência à saúde mental dos agentes de segurança.
  • Monitoramento: deve ser criado um grupo de trabalho para acompanhar o cumprimento da decisão e sua implementação. O comitê será coordenado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que, em conjunto com as corregedorias dos Ministérios Públicos locais, produzirá relatórios sobre o controle externo da atividade policial, com dados objetivos sobre a atuação e os resultados.
  • Comunicação ao MP: o STF decidiu que o Ministério Público deve ser imediatamente comunicado sobre ocorrências envolvendo mortes em operações para que, caso necessário, determine o comparecimento de um promotor de Justiça ao local.
  • Presença de ambulâncias: deve ser regulamentado, em até 180 dias, a presença obrigatória de ambulâncias em operações policiais previamente planejadas e com risco de conflito armado. A decisão do STF diz que a exigência não se aplica a operações de emergência e que a eventual indisponibilidade do veículo não impede a realização da ação policial.

Decisão é elogiada por Castro e Paes

Crítico da ADPF das Favelas, o governador Cláudio Castro elogiou a decisão tomada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ele, o fim das restrições ao uso de helicópteros em operações policiais em favelas do Rio é “importantíssimo”.

— Quem faz uso excessivo da força são o tráfico e a milícia. A gente ainda vai ter que analisar essa decisão, o dia a dia da atividade policial é diferente, mas eu não tenho dúvida de que essa decisão vem apontar algo muito bom. Ela tirou barreiras importantíssimas. Eu me sinto muito contemplado. A intenção do estado é cumprir a decisão na íntegra — disse.

Para Castro, o maior desafio será criar um plano de desocupação das áreas sob domínio do crime organizado, como determinou o STF:

— Enquanto estiver entrando arma à vontade, droga à vontade, enquanto não tiver asfixia financeira, a gente não consegue combater o crime organizado. A intenção da polícia não é entrar atirando. Nunca.

Assim como o governador, o prefeito Eduardo Paes também foi a Brasília para acompanhar a audiência no plenário do STF.

— É importante a determinação para a Polícia Federal abrir inquérito e entrar nessa história para identificar sinais de lavagem de dinheiro, como esses recursos são movimentados. O sujeito não pode se considerar dono de territórios por todo o estado. Isso não acontece só na capital — afirmou o prefeito.

Daniel Sarmento, professor titular de Direito Constitucional da Uerj e autor da ADPF, elogiou o resultado:

— Desde 2019, quando foi implementada, a ação contribuiu para a redução da letalidade policial. Essa decisão do plenário reforçou pontos importantes como a necessidade de as autoridades prestarem contas ao MP de suas ações, além do reconhecimento de que a PF tem que ter um papel ativo nas investigações do crime organizado.

As organizações Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial e Complexos Advocacy de Favelas, que atuam na defesa da população negra e na segurança pública, consideraram a decisão do Supremo um retrocesso.

— A favela perdeu. A ADPF era sobre controle das polícias e não das favelas. Solicitamos um plano de redução da letalidade policial e o STF, ao fim, recomendou um plano de ocupação territorial — disse Fransergio Goulart, diretor executivo da IDMJR e coordenador do Complexos, ao blog da jornalista Míriam Leitão.

Goulart também criticou mudanças na versão final em relação à liminar que vigorava desde 2020. Antes, a regra previa o afastamento imediato de policiais envolvidos em mais de duas mortes em operações. Agora, diz, os casos serão avaliados internamente, sem critérios objetivos.

Eliana Sousa Silva, diretora e fundadora da ONG Redes da Maré, avalia que a decisão do STF teve avanços, mas ela também fez críticas:

— O STF determinou que a PF entre nesse combate. Há outros pontos interessantes, como estabelecer parâmetros para o controle da letalidade policial, que podem levar ao afastamento de agentes das ruas. Por outro lado, abriu caminho para o uso de unidades de saúde e educação em algumas situações (a polícia agora pode entrar nestes locais durante as operações). Disso discordamos.

O pesquisador Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos de Novos Legalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF), citou pontos positivos da decisão:

— O Ministério Público investigar casos em que ocorre morte praticada por agente do estado é superimportante. Teremos ainda uma comissão de monitoramento, coordenada pelo Conselho Nacional do MP, que vai acompanhar as ações determinadas pelo STF.

Para o presidente da Associação Logística Brasil, André de Seixas, a ADPF vinha limitando as ações policiais. Segundo ele, a decisão de ontem foi numa linha diferente, ao acabar com a restrição ao uso de helicópteros e incluir a Polícia Federal no combate à chegada de fuzis e drogas ao Estado do Rio.

Saiba o que muda com a decisão do STF sobre operações policiais no Rio


Click on the Run Some AI Magic button and choose an AI action to run on this article